quinta-feira, 22 de abril de 2010

BRASILIA - 50 ANOS

Eu, nessa fase mochileira em que posso hoje estar aqui e amanhã no outro extremo, viajei mais de cinco horas para chegar lá.

Fiz questão!

Dia azul, lindo, cheio de calor.

Comemorando seus cinquenta anos, Brasilia amanheceu colorida e rica de sotaques. Todos juntos na Esplanada, para participar da festa que quase não aconteceu.

Por todas as notícias que temos ouvido sobre a capital do país, seu aniversário quase passa sem comemoração. Poucos tiveram coragem de associar suas marcas aquela cidade que não sai das páginas escandalosas de jornais e revistas. Os espaços nas placas e estruturas de palco, antes disputadíssimos, estavam vazios.

Mas nós, brasilienses nascidos, criados, adotados ou apenas já tão familiarizados com a cidade-céu, não nos esquecemos.

No palco principal uma festa de cores e homenagens. Porque ainda que tantos não compreendam que comemorar cinquenta anos de Brasilia signfica comemorar cinquenta anos de um Brasil novo, ainda há aqueles que sabem que Brasilia é um Brasil misturado! Brasília é um resumo de saudades e esperanças, passado e futuro, cheios de detalhes.

Eu não perderia jamais ver Nando Reis cantando engasgado as músicas que o Brasil conheceu na voz de Cássia Eller, que daquela água bebeu. Daniela Mercury explodindo em cores ao abrir os braços para cantar "Brasil... Meu Brasil brasileiro", "Moro num País Tropical" e tantas outras músicas que reúnem vozes de toda uma nação que mora no "DF"... Zelia Duncan lembrando os versos de Renato Russo, eterno poeta candango, Osvaldo Montenegro em voz e violão, e tantos outros artistas desta terra de "água boa".

Em Brasília eu conheci sentimentos tantos e tão destintos. Inícios e fins. Inspirações. Brasília está cada vez mais se mesclando ao meu futuro, e foi lá que li pela primeira vez a crônica de Clarice Lispector explicando os meus sentimentos tão iguais aos dela, despertados por esta cidade:

"Se eu dissesse que Brasília é bonita veriam imediatamente que gostei da cidade. Mas se digo que Brasília é a imagem de minha insônia vêem nisso uma acusação. Mas a minha insônia não é bonita nem feia, minha insônia sou eu, é vivida, é o meu espanto. É o ponto e vírgula. Os dois arquitetos não pensaram em construir beleza, seria fácil: eles ergueram o espanto inexplicado. A criação não é uma compreensão, é um novo mistério."

Se em ti começo meu começo outra vez, Brasília, aí então serão outros cinquenta!

segunda-feira, 5 de abril de 2010

FALA, RUBEM!

Foi o Rubem quem disse.

Poderia ter sido minha avó ou a sua. Ou um de nós daqui alguns anos. Mas talvez não com tanta precisão como as palavras do Rubem.

Então... Fala Rubem!

"Depois de muito meditar sobre o assunto concluí que os casamentos são de dois tipos: há os casamentos do tipo tênis e há os casamentos do tipo frescobol. Os casamentos do tipo tênis são uma fonte de raiva e ressentimentos e terminam sempre mal. Os casamentos do tipo frescobol são uma fonte de alegria e têm a chance de ter vida longa.

(...)

O tênis é um jogo feroz. O seu objetivo é derrotar o adversário. E a sua derrota se revela no seu erro: o outro foi incapaz de devolver a bola. Joga-se tênis para fazer o outro errar. O bom jogador é aquele que tem a exata noção do ponto fraco do seu adversário, e é justamente para aí que ele vai dirigir a sua cortada - palavra muito sugestiva, que indica o seu objetivo sádico, que é o de cortar, interromper, derrotar. O prazer do tênis se encontra, portanto, justamente no momento em que o jogo não pode mais continuar porque o adversário foi colocado fora de jogo. Termina sempre com a alegria de um e a tristeza de outro.

O frescobol se parece muito com o tênis: dois jogadores, duas raquetes e uma bola. Só que, para o jogo ser bom, é preciso que nenhum dos dois perca. Se a bola veio meio torta, a gente sabe que não foi de propósito e faz o maior esforço do mundo para devolvê-la gostosa, no lugar certo, para que o outro possa pegá-la. Não existe adversário porque não há ninguém a ser derrotado. Aqui ou os dois ganham ou ninguém ganha. E ninguém fica feliz quando o outro erra - pois o que se deseja é que ninguém erre.

(...)

A bola: são as nossas fantasias, irrealidades, sonhos sob a forma de palavras. Conversar é ficar batendo sonho pra lá, sonho pra cá...

(...)

Tênis é assim: recebe-se o sonho do outro para destruí-lo, arrebentá-lo, como bolha de sabão... O que se busca é ter razão e o que se ganha é o distanciamento. Aqui, quem ganha sempre perde.

Já no frescobol é diferente: o sonho do outro é um brinquedo que deve ser preservado, pois se sabe que, se é sonho, é coisa delicada, do coração. O bom ouvinte é aquele que, ao falar, abre espaços para que as bolhas de sabão do outro voem livres. Bola vai, bola vem - cresce o amor... Ninguém ganha para que os dois ganhem. E se deseja então que o outro viva sempre, eternamente, para que o jogo nunca tenha fim"

(Trecho de TENIS X FRESCOBOL - Rubem Alves)