sábado, 29 de janeiro de 2011

UM

Hoje presenciei no trabalho o que poderia ser uma simples cena cotidiana.
Um casal de meia idade chegou para dar entrada em um pedido de visto. O homem, elegante no jeito de ser mais do que nos trajes, dava o braço a sua mulher, que serena o acompanhava.
Aquele casal pareceu ser um casal de verdade. Um ao lado do outro.
Há quanto tempo os braços dados, inseparaveis?
Não os vi distantes por momento algum enquanto passei por perto da recepção.
Se davam as mãos, encostavam os ombros. Em que momento da vida teriam se cruzado os caminhos deles?

Por falta de documentos, os dois tiveram que sair e voltar mais tarde.
Quando voltaram, o guarda avisou que estava entrando um homem e sua mulher, deficiente visual, surpreendendo a mim e a atendente.
Em momento algum antes percebemos a deficiência dela.
Não havia como perceber que existia deficiência alguma, porque ele a guiava e ela, protegida, se deixava guiar sem constrangimento nem tropeços. Tão acostumados um ao outro, fizeram do costume, fato tão injustamente acusado, um trunfo.
Não havia naquele homem resquício algum de cansaço ou renúncia a si mesmo ao cuidar dela tão delicadamente. Ele sabia o que tinha a oferecer...O braço, o apoio, o caminho. Ela pouco disse, mas estava ao lado dele e sabia exatamente o que acontecia nos dialogos. Somente dizia algo quando faltava a ele palavras. Mas não me pareceu submissa. Ao contrário, nos pareceu que era ela, frágil, amparada, quem servia de apoio a ele. O que aquela mulher deveria representar para o marido? E ele para ela? Ele os olhos da cabeça dela. Ela a cabeça dos olhos dele. Ela, deficiente, esposa daquele que também teria suas deficiências. Ela, alguém que precisava de apoio ou o apoio de alguém? Não importa onde estava a deficiência de cada um... Naquele instante eu vi um casal real, e não havia entre os interesses deles distinção alguma.

Eles eram, sem medo dos discursos de individualismo, os dois um só. E quem duvida que era somente isso que importava?